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A solução em busca do problema
'Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante, e completamente errada', LH Mencken, jornalista e frasista norte-americano
A prefeitura de São Paulo vem buscando nos últimos dez dias formas de tumultuar o trânsito. Começou com um bloqueio desastroso, passou para um rodízio absurdo e, depois, voltou ao rodízio tradicional.
Nunca explicou claramente o objetivo de dificultar o deslocamento por meio de automóvel, embora, aparentemente, desejasse reduzir a mobilidade para aumentar o grau de isolamento da população paulistana.
Como a maioria das atividades estava fechada pelo isolamento imposto, é de se supor que as pessoas que utilizavam os carros não para passear e apreciar a cidade vazia, mas por necessidade. Sendo assim, dentro de seus carros, estariam mais seguras e sem o risco de contaminar ninguém.
Mas decidiu-se, em uma penada, obrigar essas pessoas a utilizarem o transporte público, aumentando a aglomeração nas estações de metrô e nos terminais de ônibus e, em consequência, ficando mais vulneráveis ao contágio.
Quando se pensava que o bom senso havia prevalecido, eis que as autoridades decidem procurar soluções simples, ou melhor, simplistas, para problemas complexos, mostrando que a criatividade para criar dificuldades parece inesgotável, e foi novamente acionada com a aprovação de quase uma semana de feriados. Pronto! A solução perfeita. Só que não.
A irresponsabilidade dos vereadores que aprovaram a medida sem qualquer análise ocasiona inúmeras dificuldades e não ataca o verdadeiro problema.
As empresas que precisaram abrir nos “feriados”, agora terão que pagar de forma antecipada e acumulada horas extras para seus funcionários em um momento de baixas vendas e altos custos.
A pergunta que cabe agora. Qual é o problema que eles buscam resolver?
Segundo dados da prefeitura, o maior problema agora é rápida expansão da disseminação do vírus nas comunidades periféricas, onde a letalidade é, segundo o poder municipal, dez vezes maior do que nas demais regiões.
Como muitos especialistas advertem, e inclusive o diretor da OMS alertou, nas regiões onde não há condições sanitárias e habitacionais para cumprir o isolamento e adotar as medidas de higiene recomendadas, deve-se procurar outras formas de atuação para reduzir o contágio e a letalidade.
Não se conhece, até agora, qualquer medida do poder público para aumentar a proteção da população e reduzir o número de mortes dessas regiões, para que essa pulação, que já enfrenta tantas dificuldades, não seja a mais castigada pela pandemia.
Essa afirmação é confirmada pelos especialistas.
O supervisor de UTIs do Instituto Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok, afirma que “os números mostram que a caminhada do coronavírus em direção a periferia exige do poder público ações rápidas e específicas nessas áreas de maior incidência de mortes.”
Segundo Sztajnbok, "os números de agora são uma fotografia do que aconteceu há duas semanas. Desde o início da pandemia muita gente ignorou os alertas das autoridades de saúde de ficarem em casa, por várias razões, principalmente as sociais e financeiras. Não dá para desprezar que alguém que mora no Morumbi tem uma vida mais confortável para se manter em isolamento do que na periferia. Mas é preciso dizer também que não existe outra solução para evitar o colapso da saúde que não seja o isolamento social. E nesse ponto, o poder público precisa agora fazer ações sociais em cada bairro, em cada comunidade. Seja distribuindo máscaras, fiscalizando o cumprimento da quarentena, orientando. Mas o que precisa, sobretudo, é ampliar a estrutura hospitalar de atendimento nessas áreas."
Para o infectologista Álvaro Furtado Costa, “o olhar com lupa para a realidade de cada bairro de São Paulo nesse momento pode evitar que o colapso do sistema de saúde que já se avizinha impacte de forma drástica na vida de quem precisa dos serviços públicos de saúde.”
Para Costa, "se as pessoas estão morrendo mais, é porque o acesso aos serviços de saúde está sendo buscado mais tarde ou ele é insuficiente. São Paulo tem várias realidades, mesmo nas áreas periféricas. Na Zona Sul, por exemplo, há áreas com favelas e áreas carentes, mas mais estruturadas. Os governos todos não podem achar que só uma determinação para a cidade toda vai fazer com que as pessoas fiquem em casa. É preciso ações específicas em cada área, entendendo cada periferia ou bairro. E expandindo e melhorando os serviços de saúde nessas áreas."
“Estamos vivendo uma corrida contra o tempo em todo o sistema de saúde pública de São Paulo. E pelo retrato do momento, é possível dizer que o colapso já é uma realidade dos extremos da cidade. Isso requer ações emergenciais onde o problema se agrava. Significa levar os leitos de UTI, os hospitais de campanha e toda as ações sanitárias de saúde também para mais perto do problema”, afirma Sztajnbok.
A prefeitura informa que está aumentando o número de leitos e UTI na periferia, o que é muito importante e indispensável, mas não se conhece ações específicas nesses locais, para evitar a expansão do contágio e o aumento do número de mortes.
O único exemplo que conheço nesse sentido partiu da própria comunidade de Paraisópolis que, com a ajuda de organizações sociais, empresários e voluntários locais, transformou escolas, que estavam vazias, em locais parta isolamento de contaminados, ou suspeitos de contaminação, e que mantém, inclusive, uma ambulância alugada, 24 horas por dia, à disposição para as emergências.
Se as autoridades estão adotando ações específicas na periferia, não têm divulgado, como seria sua obrigação.
É preciso que as autoridades sejam transparentes e procurem dialogar com vários setores, ouvindo também outras visões do que só isolamento, isolamento, isolamento....
É necessário transmitir informações, segurança e um horizonte de esperança, para que a sociedade possa aceitar, e contribuir, para sairmos juntos da crise.