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Ética: nos negócios, não é como o termo é usado por filósofos
A ética nos negócios pressupõe que as regras comuns da ética não se aplicam às empresas
Para o moralista da tradição ocidental, ética nos negócios não faria sentido nenhum. Na verdade, o próprio termo lhe seria altamente objetável, cheirando a frouxidão moral. As autoridades em ética, é claro, não chegaram a um consenso quanto ao que constitui as bases da moralidade - se são divinas, da natureza humana ou necessidades da sociedade. Eles igualmente não chegaram a um consenso quanto às regras específicas do comportamento ético; aquelas mais severas das regras morais, os Dez Mandamentos, por exemplo, trovejam "Não cobiçarás a... serva do teu próximo". Mas não dizem nada sobre o assédio sexual das próprias empregadas, embora certamente fosse tão comum então quanto é agora. Em que pese, os Dez mandamentos serem apenas princípios do direito canônico que orientam trezentas e dezoito normas a serem observadas por todo judeu (por dever moral) e/ou gentil (por adesão voluntária). Há ainda livros de sabedoria como Provérbios, Talmude, Novo Testamento e Al Corão que orientam os observantes das normas a se manterem a uma distância razoavelmente segura da beira do abismo que são as normas e principalmente os princípios que orientam as normas. São orientações que visam a alertar os observantes de normas a não colocarem propositalmente em prova sua capacidade de resistir às tentações da inobservância. Pelo contrário, orienta-os a preventivamente fugir das tentações de inobservância.
Todas as autoridades da tradição ocidental — dos profetas da Torá (Antigo Testamento) até chegar a Spinoza, no século dezessete, a Kant, no século dezoito, Kierkegaard no século dezenove, no século vinte, o inglês F. H. Bradley (Ethical Studies) ou o americano Edmond Cahn (The Moral Decision) — todavia, concordam em um ponto: existe somente uma ética, um conjunto de regras da moralidade, um código, o do comportamento individual, no qual as mesmas regras se aplicam a todos igualmente.
Um pagão diria: "Quod licet non licet bovi". Ele poderia, assim, sustentar que as regras de comportamento que se aplicam a Júpiter são diferentes das que se aplicam ao boi. Um judeu (que nasceu sob as normas) ou um cristão (que voluntariamente aderiu às normas) teria de rejeitar esta diferenciação na ética — e justamente porque toda a experiência demonstra que ela sempre que ela sempre leva a isentar os Júpiteres, os grandes, poderosos e ricos, das regras às quais o boi, o humilde e pobre, têm de observar.
O moralista da tradição ocidental aceita circunstâncias atenuantes e agravantes. ele aceita que a viúva pobre que rouba pão para alimentar os filhos famintos (furto famélico - o furto de alimentos para serem consumidos naquele mesmo dia) merece clemência e que é um crime muito mais hediondo o bispo ter uma concubina (amante) do que o pobre cura da aldeia. Mas, antes de poder haver circunstâncias atenuantes ou agravantes, é preciso haver um crime. e o crime é igual para os ricos e pobres, para os que ocupam altas e baixas posições — roubo é roubo (atentado ao direito á propriedade), concumbinato é concumbinato (descumprimento do contrato - que é o casamento formal). A razão desta insistência em um código que considere unicamente o indivíduo, e não seu status na vida ou na sociedade, é precisamente pelo fato de que, se fosse diferente, os poderosos, os bem-sucedidos ficariam eximidos das leis da ética e da moralidade.
As únicas diferenças entre o que é comportamento eticamente correto e comportamento eticamente incorreto que moralistas tradicionais, quase sem exceção, aceitariam - nas quais, na verdade, insistiriam - são as diferenças baseadas em costumes sociais ou culturais, e aqui somente com relação a crimes perdoáveis, isto é, a maneira de fazer as coisas e não a substância do comportamento. Até na mais licenciosa das sociedades, a fidelidade ao voto do matrimônio é meritória, todos os moralistas concordariam; mas a licença sexual de uma sociedade extremamente permissiva, por exemplo, a Inglaterra da Restauração do século dezessete ou os Estados Unidos da América (EUA) do final do século vinte, poderia ser considerada uma circunstância atenuante para a transgressão sexual. Até o mais rígido moralista sempre insistiu que, à exceção de questões verdadeiramente de consciência, páticas que são de moralidade questionável em um lugar e em uma cultura podem ser perfeitamente aceitáveis - e podem, na verdade, ser bastante éticas - em outro ambiente cultural. O nepotismo pode ser considerado de moralidade dúbia em uma cultura, nos EUA de hoje, por exemplo. Em outras culturas, a cultura chinesa tradicional, por exemplo, ele pode ser a própria essência do comportamento ético, tanto por cumprir a obrigação moral com a própria família como por tornar o serviço desinteressado ao público um pouco mais provável.
Mas — e este é o ponto crucial — estas são qualificações do axioma fundamental no qual a tradição ocidental da ética sempre se baseou: há somente um código de ética, o do comportamento individual, para o príncipe e o miserável, para ricos e pobres, para os poderosos e os humildes. A ética, na tradição judaico-cristã, é a afirmação de que homens e mulheres são criaturas iguais — quer o Criador seja chamado de Deus, natureza ou sociedade.
E este axioma fundamental, a ética nos negócios nega. Vista da principal corrente de pensamento da ética tradicional, a ética nos negócios não é, em absoluto, ética, seja lá que outra coisa pode ser. Porque ela assevera que atos que não são imorais ou ilegais quando praticados por pessoas comuns tornam-se imorais ou ilegais quando praticados por empresas.
Um exemplo evidente é o tratamento da extorsão nas discussões correntes de ética nos negócios. Ninguém nunca teve palavras positivas a dizer em defesa da extorsão nem nunca defendeu pagá-la. Mas, se descobrirem que alguém pagou dinheiro de extorsão sob ameaça física ou de dano material (legítima defesa ou caso de necessidade), o comportamento não será considerado imoral ou ilegal. O extorsionário é tanto imoral como criminoso. Se, porém, uma empresa se submete a extorsão, a atual ética nos negócios considera que ela agiu de forma aética. Não há discurso, artigo, livro ou conferência sobre ética nos negócios que, por exemplo, não aponte um dedo acusador e altamente indignado para a Lockheed, por ter cedido a uma companhia aérea japonesa, que extorquiu dinheiro como pré-requisito para considerar a compra do claudicante jato L-1011 da Lockheed. Há muito pouca diferença entre a Lockheed pagar para os japoneses e um pedestre no Central Parque que Nova Iorque entregar sua carteira para um assaltante. No entanto, ninguém consideraria que o pedestre agir de forma aética.
Da mesma forma, nas audiências de confirmação do Senado Federal (SF) dos EUA, um dos indicados do então presidente, o ator Ronald Reagan, para ocupar uma pasta em seu governo foi acusado de práticas antiéticas e investigado por semanas com base na alegação de que a sua construtora havia pago dinheiro para criminosos a soldo de sindicatos sob a ameaça de eles baterem nos seus empregados, sabotarem seus caminhões e vandalizarem seus canteiros de obras. Os acusadores eram criminosos trabalhistas confessos; ninguém pareceu se preocupar com a ética deles.
Pode-se argumentar que tanto a Lockheed como o construtor de Nova Jérsei foram idiotas em pagar os assaltantes á mão armada; porém ela se torna exatamente isto sob a ética nos negócios, o que não é compatível com o que sempre se acreditou que a ética deveria ser.
A nova ética nos negócios também nega às empresas a adaptação a costumes culturais, o que sempre foi considerado uma obrigação moral na abordagem na abordagem tradicional da ética. Agora, considera-se extremamente antiético — podendo inclusive ser uma prática questionável ou até crime — uma empresa norte-americana (ou sujeitas às leis dos EUA, como as companhias com ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque, por exemplo) operando no Japão contratar como conselheiro ou consultor o destacado servidor público que tenha se aposentado de sua função oficial no governo japonês. No entanto, a empresa que não faz isto, no Japão é considerada como se comportando de forma antissocial e como tendo violado suas claras obrigações éticas. O fato de as empresas cuidarem de servidores públicos aposentados, sustentam os japoneses, possibilita duas práticas que eles consideram essenciais ao interesse público: que o servidor público de mais de quarenta e cinco anos deve aposentar-se assim que alguém mais jovem tenha ascendido a uma posição mais alta que a dele; e que os salários e as pensões/aposentadorias do governo - e com eles a carga da burocracia sobre o contribuinte — sejam mantidos baixos, com a diferença entre aquilo que um profissional de primeira categoria ganha no serviço público e o que ganharia na iniciativa privada seja compensada após sua aposentadoria mediante seus honorários de consultor/conselheiro. Os japoneses sustentam que a expectativa de mais tarde poder atuar como consultor estimula o servidor público a permanecer incorruptível, imparcial e objetivo, servindo, assim, unicamente ao bem público; suas consultorias lhe são conseguidas por seu antigo ministério, e sua recomendação depende de sua avaliação como servidor público e permanecer incorruptível, imparcial e objetivo, servindo, assim, unicamente ao bem público; suas consultorias lhe são conseguidas por seu antigo ministério e sua recomendação depende de sua avaliação como servidor público feita pelos colegas. Os alemães, que seguem uma prática parecida — esperando-se que se cuidem dos servidores públicos aposentados através de sua nomeação como executivos de associações de indústria ou entidades de classe —, partilham desta convicção. No entanto, apesar do fato de que ambos os sistemas, o japonês e o alemão, parecem servir bem, e até honrosamente, a suas respectivas sociedades, e apesar inclusive do fato de ser considerado perfeitamente ético servidores públicos americanos de igual cargo e posição atuarem em empregos executivos bem remunerados no setor privado e em fundações, e até nas muito mais lucrativas bancas de advogados, a empresa americana no Japão que aquiescer uma prática que os japoneses consideram a própria essência da responsabilidade social é, na presente discussão da ética nos negócios, levada ao pelourinho como um terrível exemplo de práticas antiéticas.
Certamente a ética nos negócios, por alguma razão, pressupõe que as regras comuns da ética não se aplicam aos negócios e às empresas. Em outras palavras, a ética nos negócios não é, em absoluto, ética, conforme o termo tem sido comumente usado por filósofos ocidentais e teólogos ocidentais. O que é, então? Outas informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.